Luz e Sombra
O uso da luz e sombra permite criar “atmosferas” ou “climas” numa imagem. É o jogo de luz que faz com que percebemos suavidade, densidade ou dramaticidade. É um dos mais ricos recursos disponíveis para a criação de uma imagem de impacto visual.
O elemento visual que mais atrai o nosso olhar é a luz. Quanto maior o brilho, maior é a atração. É por isso que todo profissional, que trabalha com a imagem, deveria conhecer muito bem esse fundamento, mas, infelizmente, é algo que deixou de ser ensinado corretamente há mais de 70 anos. Em algumas áreas, como a maquiagem e a fotografia, é absolutamente essencial.
Para dominar o uso da luz e sombra, é necessário ter conhecimento: conhecimento científico, da física ótica.
Alhazen (Abu Ali al-Hasan ibn al-Haytham), um físico persa, que viveu entre 965 e 1040, foi quem descobriu como a luz funciona e como o olho e a visão funcionam. Seus extensos estudos e experimentos resultaram no O Livro da Ótica, em sete volumes.
Os artistas árabes nunca se aproveitaram desse conhecimento, porque a religião muçulmana proíbe a criação de imagens representativas. E esse conhecimento só ficou disponível para artistas europeus depois da queda de Constantinopla no século XV, que coincidiu com o início da Renascença e o fim do obscurantismo da Idade Média.
Pintura de Giotto

Por isso, antes disso, nenhum artista, nem os melhores, como Giotto di Bondone (1267 - 1337), conseguiu pintar a luz e sombra, nem dominar a perspectiva e a criação de planos. E, de repente, artistas, como Leonardo da Vinci, puderam fazer desenhos como esse abaixo.
Desenho: Leonardo da Vinci

Alhazen foi o primeiro a compreender que vemos a luz refletida dos objetos e a descrever o fenômeno da refração. Isso foi fundamental para entender como se percebe os planos de luz, que permite compreender a profundidade e o volume naquilo que se vê.
O olho consegue registrar todas as mais sutis variações de tons nos objetos que são vistos. Recebe os milhões de pontos de luz, refletidos dos objetos, num fluxo constante na retina. É como se a retina fosse impressa, num fluxo continuo, por uma sequência de fotografias planas, bidimensionais. As imagens são invertidas. Uma criança somente compreende o volume e a profundidade gradualmente, a partir do momento em que ela se movimenta no espaço e, também, aprende a compreender movimento. É um processo muito complexo e maravilhoso, em que a mente humana consegue compreender que os pontos de luz refletida, que o olho capta, representam o mundo tridimensional ao seu redor.
Esse processo é inconsciente. Não se percebe, conscientemente, todas as variações de tons da sombra, da luz e da luz refletida e, por isso, sem o conhecimento da física ótica, ninguém consegue entender e perceber, planos, perspectiva e volume. E, logicamente, ninguém consegue reproduzir planos, perspectivas e volume em imagens. Por isso que muitos artistas projetam uma fotografia numa tela e pintam os tons da fotografia, para obter uma imagem realista. Mas a máquina fotográfica não é capaz de captar as sutilezas de tons que o olho humano capta.
Como qualquer outro estudante de arte, eu precisava aprender como funcionava esse processo e como invertê-lo para poder pintar e desenhar a luz e a sombra. A inversão exige que se nega o que se entende que vê. Negar a tridimensionalidade, que se compreende intelectualmente, para poder perceber o que o olho realmente registra, bidimensionalmente. É um paradoxo! Para entender como funciona o mundo tridimensional é preciso negar a compreensão tridimensional e exercer a visão bidimensional.
O ensino do desenho de observação é baseado exatamente nisso e começa com o desenho linear, para, depois, progredir para o desenho de volume, que é muito mais complexo e muito mais difícil de dominar. Além disso, exige muito treino, não só para aguçar a percepção, mas, também, para adquirir a habilidade manual.
O desenho de volume, infelizmente, foi associado à arte acadêmica, no início do século XX, e seu ensino era considerado prejudicial à criatividade e a uma expressão livre e espontânea. Além disso, a arte representativa era considerada obsoleta com o advento da fotografia. Por isso, gradativamente, desapareceu do currículo de todas as escolas de arte. Em 1957, na Europa e nos EUA, já não havia nenhuma escola de arte que ensinava a luz e sombra, nem outros fundamentos importantes da linguagem visual.
Essa era (e continua a ser) a realidade quando comecei a estudar arte nos anos 1960. A arte contemporânea dessa época era dominada pela arte abstrata, mas eu me interessava pelas questões humanistas e sociais, que faziam parte da minha realidade e a realidade dos milhões de jovens que iniciaram o movimento de contracultura naqueles anos. E desde pequeno, o desenho do ser humano e da luz me fascinava. Então, por necessidade própria, nos 4 anos em que vivi em Londres, de 1970 a 1973, procurei resgatar esse conhecimento.
Durante esse período, eu desenhava 10 horas por dia. Grande parte desse estudo foi da luz e sombra, o fundamento que exige mais prática para dominar.
Finalmente, consegui realizar desenhos como este.
"Estudo de luz e sombra" por Philip Hallawell 1972

É um conhecimento fundamental para maquiadores, fotógrafos e muitos outros profissionais.
Mas, só consegui fazer isso porque tinha acesso aos desenhos dos grandes mestres, da coleção real, que, fortuitamente, ficaram expostos na galeria de Buckingham Palace, durante alguns meses.
Eu observava os desenhos e tentava entender como realizavam desenhos tão maravilhosos. Foi somente quando me lembrei das aulas de física ótica, sobre refração, que tinha estudado na escola, que consegui entender e perceber as nuances dos tons da luz refletida, primeiro nos desenhos e, depois, na observação e desenhando o que observava. É preciso saber onde olhar para poder perceber isso. E é necessário ter exemplos e explicações de como traduzir essa percepção num desenho.
Eu tive de fazer as associações sozinho, porque não se ensinava isso em nenhum lugar. E não havia livros sobre isso. Tudo que existia estava fora de catálogo. Aliás não tinha quase nada sobre a linguagem visual.
Foi por isso que, anos mais tarde, publiquei o livro À Mão Livre e fiz a série para a TV Cultura. Pela primeira vez em décadas, estudantes das artes visuais tinham acesso a esse conhecimento fundamental. Isso foi em 1994.
Em 2003, esse conhecimento chegou na área da beleza, através do livro Visagismo harmonia e estética e, logo depois, nos meus cursos.
E, até hoje, não há esse ensino fora do Brasil e o ensino da linguagem visual ainda não faz parte do currículo das faculdades de Belas Artes aqui, embora já se faça 37 anos que esse conhecimento está publicado, com mais de 150 mil livros vendidos e milhões de espectadores da série, quando foi exibido.
Trabalhar somente com a intuição é muito limitado. Conhecimento é o grande libertador e expande os horizontes. Eu não tive quem me ensinasse tudo isso e, acredite, foi um caminho MUITO DIFÍCIL. Teria sido muito mais rápido se tivesse um bom professor, que tivesse a formação adequada. Na minha opinião, nunca se deve escolher ser autodidata, se há outra opção.
Aprender com quem sabe fazer e sabe ensinar é sempre muito melhor do que tentar aprender sozinho, um caminho que, geralmente, resulta em falhas grandes de conhecimento. Meus mestres, inicialmente, foram os desenhos dos grandes renascentistas, mas, nos anos seguintes, continuei estudando, desenhando e pesquisando e ainda tive a sorte de conviver com artistas que preencheram muitas das lacunas, que, curiosamente, apareceram quando comecei a ensinar o desenho.
Livros passam informações e conhecimento e, também, cultura, mas não substituem cursos. É num curso que se aprende a usar tudo isso.
Pois, pense bem, por que existem escolas e universidades, se pudéssemos aprender somente lendo livros?
Por ₢Philip Hallawell
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